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Maratona de Santiago

Foto do escritor: Vitor SeravalliVitor Seravalli

Olhei no mapa do percurso e gostei de saber que se tratava de uma maratona bastante plana incluindo a possibilidade de conhecer mais uma linda cidade da América do Sul. A primeira metade começaria no Palácio de La Moneda, cartão postal local da capital chilena, até um ponto até bem próximo da Cordilheira dos Andes e, depois, praticamente uma volta ao ponto de partida.

Percebi que a primeira metade seria um aclive leve e constante e, na volta, eu teria uma melhor performance por ver que o trecho seria o contrário, ou seja, uma descida plana, se é que isso existe, até o final.

A meta, como sempre, seria chegar em menos de 5 horas e eu havia treinado razoavelmente bem durante o mês anterior e estava confiante em conseguir alcançar meu objetivo. Deixo claro que minha carga de treinamento seria inaceitável se eu tivesse algum objetivo com foco em performance. Em meu caso, esse objetivo era somente correr mais uma maratona, curtir a viagem e chegar inteiro e bem ao seu final.

Bom, chegamos em Santiago na sexta-feira bem tarde da noite e o sábado foi o dia para pegarmos o kit. Explorar a bonita feira numa antiga estação de trens, almoçar no Mercado municipal, passear por pontos turísticos como uma das casas de Pablo Neruda e jantar com um casal de amigos incidentais num restaurante magnífico.

No domingo bem cedo, aliás com bastante sol, apesar de uma temperatura levemente baixa, larguei animado.

Fiz o percurso sem qualquer dificuldade acima do esperado e somente confesso não ter percebido qualquer vantagem no trecho que seria mais fácil após a primeira metade. Enfim, após quatro horas e cinquenta e quatro minutos lá estava eu de volta ao centro da cidade. Mais uma medalha valiosa para minha coleção.

À tarde, enquanto passeávamos e desfrutávamos daquele local bonito e agradável, pois a capital do Chile é um lugar imperdível, encontrei rapidamente um brasileiro que era meu contato numa de minhas atividades profissionais no Brasil.

Graças a ele, tive a oportunidade de lecionar em uma ótima escola no interior de São Paulo.

Lá, eu tinha somente uma intervenção anual. Eram dois sábados seguidos, sempre na segunda e terceira semana do mês de dezembro.

Por um lado, eu adorava ter que viajar para aquela região, pois me possibilitava uma visita à Basílica Nacional de Aparecida e eu sempre gostei de poder me presentear com a possibilidade de me encontrar com a imagem de Nossa Senhora. Além disso, as aulas em si, a qualidade das turmas e o bom ambiente da escola me davam genuíno prazer. Porém, minhas aulas aconteciam numa época em que eu já estava bastante cansado do desgaste que o trabalho e as dificuldades inerentes aos mesmos me causavam. E eles coincidiam com dois finais de semana antes do Natal, uma época bastante atribulada e movimentada também.

Em um determinado ano, talvez num momento em que os pontos positivos estavam encobertos pelos negativos, a apenas um mês das aulas já agendadas, eu simplesmente enviei uma mensagem ao mesmo colega que encontrei em Santiago e, de modo direto e insensível, expliquei que queria focar o trabalho em minha atividade principal e, como as aulas me atrapalhavam um pouco, além do cansaço que as viagens de carro me traziam, eu não iria mais me disponibilizar para aquela atividade. Pedi desculpas e me despedi.

A sensação inicial foi de alívio e sem me aprofundar em refletir sobre o que acabara de fazer, tomei o assunto como resolvido e fui fazer outra coisa.

O tempo passou e, pouco tempo depois, eu percebi que havia sido um idiota.

Como estava esgotado e com meus pensamentos somente me levando a buscar descanso, nem me passou pela cabeça que eu deveria ter feito as coisas de modo completamente diferente.

A primeira coisa a fazer seria entrar em contato com meu colega e explicar a ele a situação, obviamente, buscando ajuda para alguma situação que pudesse ser mais adequada para ambos os lados.

Por exemplo, poderia verificar a possibilidade de transferir ambas as intervenções para outro mês do ano, preferencialmente, longe do final do ano. Será que isso seria possível? Honestamente, acredito que sim.

Se, na pior das improváveis hipóteses, não fosse possível alguma alteração, eu poderia manter o compromisso naquele ano e avisar com tempo maior, que no próximo ano, ou seja, mais de doze meses depois, eu não ministraria as aulas. Com isso, eles teriam tempo para buscar uma alternativa.

Tudo tão simples e eu não fiz nada disso.

E o pior é que nem notei a indelicadeza e falta de sensibilidade do que havia feito. Tanto isso é verdade que uns dois anos depois, procurei a escola para saber se eles me aceitariam para retomar as aulas. Pois é!

Felizmente, também para mim, fui merecidamente ignorado.

Não tenho lembrança de ter cometido um erro tão banal antes, mas é muito provável que sim. E, pelo menos para uma coisa a consciência deste erro me serviu definitivamente.

É sempre um grande desafio aprender certas coisas antes de errar. Tudo poderia ter sido diferente, eu poderia ter continuado com minhas agradáveis aulas, com alunos inteligentes e receptivos aos conhecimentos que compartilhava, sempre acompanhadas por uma viagem que me possibilitava visitar lugares dos quais gostava tanto e ainda por cima, recebia uma remuneração bastante justa por elas.

Mas enfim, o lugar comum: “errar é humano” foi a única coisa boa daquela situação. A partir de então, me esforço para não ser displicente com minhas decisões, principalmente aquelas precedidas por estresse, emoção ou canseira mesmo.

Isso seria como desistir de uma maratona após o Km 30, algo que fiz em minha segunda maratona e que, por isso, não foi incluída neste livro.

Que pena!

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